Representantes de entidades ruralistas apontaram omissão do governo federal na solução de conflitos entre agricultores e indígenas como a principal causa do agravamento da tensão no campo. Em debate nesta quinta-feira (31) na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), eles alertaram para o risco iminente de “banho de sangue” em localidades no Mato Grosso do Sul e Alagoas.
Nos dois estados, áreas definidas pela Fundação Nacional do Índio (Funai) para demarcação e formação de reserva indígena são reivindicadas por produtores, que alegam ter posse documentada da terra. A situação é mais tensa no Mato Grosso do Sul, onde a demora por solução levou indígenas a ocuparem diversas fazendas.
Conforme relato de Gustavo Passarelli, representante da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul, determinações judiciais para reintegração de posse têm sido seguidamente descumpridas.
– A situação suplanta discussões no campo jurídico. A Justiça está sendo desrespeitada, sem que o Estado nada faça – criticou.
Para Passarelli, a dívida da sociedade brasileira para com as comunidades indígenas não pode ser trocada por uma dívida para com os produtores rurais, que estariam sendo lesados pela perda da terra onde vivem há décadas.
Para exemplificar a situação, Jonatan Pereira Barbosa, representante da Associação dos Criadores do Mato Grosso do Sul, relatou caso em que lideranças indígenas teriam rasgado mandado de reintegração de posse levado por autoridades locais à fazenda invadida.
Como informou, a revolta pela perda de bens, lavouras e criações levou produtores a darem um prazo até 30 de novembro para a solução das invasões de terras.
– Está para acontecer uma tragédia no Mato Grosso do Sul. Se no dia 30 de novembro nada for feito para dar segurança e paz à região, haverá derramamento de sangue – alertou.
Alagoas
Na cidade de Palmeira dos Índios (AL), a demarcação definida pela Funai também resultou em revolta de agricultores. Em relato aos senadores, Ricardo Bezerra Vitório, assessor do Sindicato dos Produtores Rurais do município, explicou que a demarcação envolve área onde vive grande número de pequenos produtores.
– São demarcações feitas sem parâmetro algum. Muitos [dos afetados] são pequenos produtores, 380 com menos de dez hectares. O Ministério Público diz que os que tiverem as terras desapropriadas devem ir para a reforma agrária. Isso é uma piada – disse.
Também o prefeito de Palmeira dos índios, James Ribeiro, apontou para o risco de a ação da Funai resultar no surgimento de trabalhadores sem terra na cidade. Segundo ressaltou, o município vive em estado de alerta.
– Fazemos um apelo para que o governo federal olhe para essa situação e não deixe que aconteça uma tragédia maior. Está havendo a iminência de um conflito armado. Também em Palmeira dos Índios os proprietários dizem que só saem mortos de suas casas.
Ministro da Justiça
Preocupados com a situação, os senadores cobraram uma posição do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Ele era esperado em audiência para tratar do tema na semana passada e o fato de não ter comparecido resultou na aprovação de requerimento de convocação pela CRA, o que obriga sua presença em data ainda a ser marcada.
Os senadores também criticaram a ausência da presidente da Funai, Maria Augusta Assirati, convidada para o debate desta quinta-feira. Ela justificou a ausência alegando problema de agenda.
– Essa falta de compromisso e de credibilidade é que deixa lá na ponta essa tensão. Os índios achando que as terras finalmente vão ser demarcadas, que vão ser desapropriadas, que vão indenizar os produtores, e os produtores, com as suas propriedades invadidas, na expectativa de que isso vai acontecer – lamentou Waldemir Moka (PMDB-MS). Ele lembrou que o ministro esteve na região em julho e prometeu uma solução que até hoje não foi implementada.
Também o senador Rubem Figueiró (PSDB-MS) criticou a atuação do governo no conflito.
– A Funai não trata absolutamente dos índios, mas se utiliza deles para atender interesses outros e faz com que os índios se voltem contra seus irmãos brancos – disse.
Ele concordou com visão apresentada por Rodinei Candeia, procurador do Rio Grande do Sul, para quem as demarcações são influenciadas desde a extrema esquerda, por interesses ideológicos, até a extrema direita, por objetivos de exploração mineral ou de avanço do agronegócio.
Para Delcídio do Amaral (PT-MS), o ministro da Justiça estaria dando tratamento secundário ao assunto.
– Estou começando a achar que o governo quer ver mais vítimas para começar a agir. É preciso que as soluções saiam do papel, da conversa – afirmou.
Ao final do debate, o vice-presidente da CRA, senador Acir Gurgacz (PDT-RO), marcou para a próxima terça-feira (5) uma reunião interna da comissão, com objetivo de identificar medidas que o Senado pode adotar “para evitar que um mal maior ocorra no campo”.