Nas diversas cidades do interior, na Semana Santa a grande expectativa dos católicos de parco poder aquisitivo é receber o peixe para guardar e respeitar a tradição religiosa de não consumir carne.
Em Itabela, a grande e especial expectativa é também o espetáculo da tradicional e sempre esperada peça teatral ao ar livre, a Paixão de Cristo, que evoluiu ao ponto de ser a maior expressão cultural do município, da região, e destaque estado e país a fora.
Mas as expectativas da população foram frustradas nesse ano, por motivos diversos, alguns explicados por uma parte dos envolvidos no processo, no caso pelo menos dois dos mais destacados cidadãos ligados à arte e à cultura, os senhores Sidivaldo Oliveira (Val), ator, roteirista, diretor, e o jornalista Rai Alves, consagrado ator e renomado diretor de teatro.
De outra parte, buscando bem informar a comunidade, a reportagem do CliC 101 procurou o Gabinete do Prefeito de Itabela para falar sobre o tema, ficaram de agendar e retornar a ligação, mas até o fechamento da matéria, decorridos dois dias do contato feito, nada foi respondido.
O que disse Sidivaldo Oliveira (Val)
Extraído de uma longa conversa com Val, cidadão de mente aberta e independência para falar o que acha e o que sente, sem amarras de qualquer espécie, transcrevemos abaixo aluns tópicos essenciais sobre a não realização da peça teatral A PAIXÃO DE CRISTO em Itabela.
“O poder público como sempre não dá muita importância para o evento. Geralmente é a sociedade que se organiza, busca o poder público para realizar, ou seja, para ajudar pagar as contas, que são mínimas.
Esse ano o pessoal de mobilizou, o diretor Rai Alves me procurou para colaborar.
O prefeito pediu que esse ano fosse feito em Monte Pascoal.
A ideia seria fazer em Monte Pascoal e em Itabela.
Foi feito orçamento com arquibancada, palco, som, iluminação, profissionais envolvidos, e acharam muito caro.
Extraoficialmente Rai Alves teria sido tratado como oportunista.
Me deixa triste é que levam uma outra informação para a rua de que não fez porque as pessoas cobraram muito caro.
Prefeito recebeu formalmente o orçamento, segundo Rai Alves, mas não deu retorno, não chamou para conversar, para buscar alternativas.
Prefeito foi orientado sobre alternativas para minimizar custos.
Faltou boa vontade.
Estou sendo procurado como referência.
Os cerca de 150 atores e pessoas envolvidas teriam visto o episódio como falta de respeito para com eles e com suas famílias que moram fora do município, se programam para vir visitar as famílias nessa ocasião e assistir a peça A Paixão de Cristo, e agora se viram frustrados.
Itabela começa a perder a referência, ela que já tem um histórico ruim de violência, e quando a gente aponta uma outra referência que o poder público poderia segurar e sustentar, perde a oportunidade.
Pensei que a frustração fosse por parte do elenco.
Hoje descobri que a população é quem cobra isso, eu estou sendo cobrado pela população do porque de não ser realizada a Paixão de Cristo.
A população dá uma importância muito grande, mais do que a gente imaginava.
O fato é que a nossa cultura perdeu a referência.
O que Itabela está desperdiçando falta para eles lá [outros municípios], profissionais para estruturar esse espetáculo
Em 2015 foi feito sem o poder público.
Se a prefeitura disponibilizasse o que tem, faria com 5 mil no Rotary.
Quando era candidato o prefeito bancou com 5 mil e disse em vídeo que itabela agora sim, ia se encontrar com a cultura, que a cultura jamais ia acabar.
Comunidade não foi procurada porque o tempo foi passando e não teve resposta do prefeito.
Esse ano [a Páscoa] caiu em março, muito cedo.
O município carece de um diretor para curso de teatro.
Hoje a nossa cultura está focada em pano de prato e bordado, que poderia estar sendo atendido pela secretaria de Ação Social.
O papel verdadeiro da cultura não está acontecendo, fora aula de violão e aula de desenhos.
Nesse espetáculo, a prefeitura é quem menos se empenha e quem mais aparece.
Quem se empenha somos nós, fazemos tudo e pedimos à prefeitura apenas que ajude pagar a conta.
O espetáculo é muito grande para se ficar apequenando diante do poder público.
Cultura recebendo pé na bunda o tempo todo.
Não se pensa em cultura, pensa em política, promoção pessoal.
A cultura é tão importante ou mais que a própria educação, porque se você não tiver a cultura de ser educado, você não vai se educar.
Opinião de RAI ALVES
Procurado pela reportagem e retirado do seu laborioso ofício e descanso em Salvador, com toda clarividência, sinceridade, bagagem cultural, humildade, e sobretudo, carinho, respeito e dedicação especial por Itabela, Rai Alves falou suscintamente, com um tom de voz que demonsta claramente sua amargura.
Confira a fala de Rai Alves, jornalista, ator, produtor, diretor, detentor de um currículo e uma história de vida invejável, que já enfrentou as maiores adversidades e privações pessoais buscando alavancar a cultura em Itabela:
“Quanto ao espetáculo [Paixão de Cristo], eu acho que a população, a comunidade, tem que pressionar os vereadores para que eles possam tornar a PAIXÃO DE CRISTO um patrimônio cultural do município.
E o que eu sinto muito é que muitos jovens, muitos atores, estavam com a expectativa de fazer o espetáculo nesse ano.
Mas, enfim, não adianta culpar ninguém.
Acho que a sociedade é que precisa se organizar, para dar mais valor ao seu patrimônio cultural”.
ATÉ QUANDO?
Um cidadão da comunidade itabelense se manifestou de forma veemente: “Sem o interesse e o patrocinio do poder público, este ano não haverá essa grande festa, frustrando toda a população”.
Disse também que durante entrevista a uma emissora de rádio local, o Diretor de Cultura de Itabela assim teria se expressado: “O espetáculo A Paixão de Cristo está ultrapassado, e os atores precisam ser renovados", assunto sobre o qual Sidivaldo Oliveira disse se tratar de um espetáculo bíblico, questionando: “Será que Ariano Suassuna está ultrapassado? Será que a Bíblia está ultrapassada?”.
Disse por fim o cidadão: “Nesse ano, quem foi para a cruz foram os artistas locais, quem foi crucificado foi a cultura”.
O artista, assim como o sertanejo, é antes de tudo um forte. E a esperança jamais deve ser deixada de lado.
Por isso, é de se continuar acreditando naquilo que disse o então candidato e hoje prefeito de Itabela: “O teatro não pode acabar, e a cultura de Itabela não vai morrer”.