Eu tenho um imenso baú de memória na minha mente.
A mais remota, data da véspera do dia em que eu completaria 3 anos, quando nasceu a minha única irmã. E essas lembranças são ricas em detalhes sobre seus personagens, cenários e circunstâncias.
Nasci na mais antiga cidade do Brasil, vivenciei seis décadas e meia do século XXI, em plena era provinciana e culturalmente rica, época em que se dizia: "a Bahia é pequena e todo mundo se conhece".
Pois é, como sou desse tempo, conheci João Ubaldo Ribeiro. Não apenas o escritor consagrado, mas o irmão de Soninha (que foi minha colega, amiga e incentivadora da minha opção pela carreira jurídica); pai de Emília e Manuela, contemporâneas da minha primeira filha (não conheço pessoalmente os dois mais novos); filho da doce, carismática e hospitaleira Yayá e do inesquecível Professor Manoel Ribeiro, cujas mãos colocaram sobre a minha cabeça e dos meus colegas, a simbólica "Borla", na solenidade de graduação em Direito.
Aquela "Borla" significava muito para mim: todas as eloqüentes lições de Direito Constitucional e Administrativo, Ciência Política e verdadeiras aulas práticas de cidadania. Dentre estas, o estímulo às atividades do Diretório Acadêmico, as respectivas eleições, visitas às salas de aulas para informes e avisos e várias outras atividades. Eram anos difíceis da Ditadura Militar e quando algum aluno era preso, ele ia pessoalmente, com alunos que integravam o Diretório, adotar providências objetivas em socorro da sua liberdade.
Éramos um bando de jovens idealistas, fazendo esforços por uma sociedade livre e democrática!
Em João Ubaldo (no meio familiar era chamado de Ubaldo), com o passar do tempo e sua mudança de residência para o Rio de Janeiro, passei a vê-lo mais através das imagens da TV e dos jornais, e fui verificando como a sua aparência física e a voz grave ia ficando assemelhada com o Professor Ribeiro.
E quem foi discípulo do saudoso professor, bebeu da sua fonte de sabedoria e até usufruiu da leitura de alguns volumes da sua vasta biblioteca, identifica a origem genética da crítica irônica e mordaz, bem como a intolerância aos atos de arbítrio que depreendemos dos textos de João Ubaldo Ribeiro, que há pouco partiu e deixou um enorme vazio no mundo das letras do Brasil.
Drª Itana Viana
Advogada especialista em Direito Sanitário
Mestre em Saúde Comunitária pela UFBA
Professora convidada do Instituto de Saúde Coletiva / UFBA
Professora na Escola Estadual de Saúde Pública da Bahia
Presidente da Comissão de Direito à Saúde da OAB-BA