Um recanto sertanejo cravado no Campo Grande, ao lado do emblemático e imponente Palácio da Aclamação, tornou-se um dos mais ativos centros de resistência e sobrevivência cultural da Salvador dos anos 80, em contraponto à estética anticultural do regime militar. O Quintal do Raso da Catarina abriu as portas em 1979, na área externa da casa de estilo colonial que até hoje abriga a sede da Associação dos Engenheiros Agrônomos, com a proposta de ser um bar alternativo, ao ar livre, em sintonia com a ânsia de libertação da geração que logo o adotaria. Durante a década de 80, artistas, jornalistas, estudantes, intelectuais, profissionais liberais e políticos, sobretudo de esquerda, se reuniam nas mesas espalhadas pelo Quintal.
“Falava-se de tudo: música, literatura, cinema, esporte, política e até mesmo coisa alguma. Podia-se debater Sócrates, Marx e Nietzsche ou simplesmente jogar conversa fora. O que importava era que ali a liberdade era plena. Bastava descer as escadas para o Quintal e a vida se transformava”, recorda o ator e cineasta Dody Só, roteirista e diretor do documentário “O Senhor do Raso da Catarina”, que será exibido no próximo dia 16 de abril, às 19h30, na tradicional Sala Walter da Silveira, nos Barris.
O documentário resgata a história do Quintal do Raso da Catarina, tendo como eixo central a figura de seu criador, Antônio Franco Barretto, que, até 1993, comandou o que ficou conhecido como o bar mais libertário de Salvador. A narrativa se entrelaça com as angústias, esperanças, sonhos e frustrações de uma geração, ao mesmo tempo em que registra um capítulo vital da história contemporânea da Bahia.
“Franco é um personagem de uma geração que ansiava pela democracia e, ao mesmo tempo, queria viver os prazeres da juventude. Tínhamos a responsabilidade imposta por uma conjuntura opressora, mas o Quintal era também refúgio para a boemia, para a cerveja, a cachaça e a boa música”, afirma Dody Só.
O filme apresenta depoimentos marcantes de frequentadores do Quintal do Raso, como Bule-Bule, Ruy Espinheira Filho, Wilson Aragão e Lídice da Mata, entre outros, com relatos sobre acontecimentos memoráveis e personagens inesquecíveis, como o lendário garçom Quitério, falecido em 2021.
Formado em cinema pela FTC, Dody Só tem uma trajetória consolidada como ator e diretor. Atuou no longa Guerra de Canudos (1996), de Sérgio Rezende, interpretando o mítico Pajeú, comandante militar de Antônio Conselheiro, e na novela Segundo Sol, da TV Globo, como Djalminha. Assina ainda a direção de diversos curtas-metragens, incluindo um documentário sobre Theodoro Sampaio.
Por ter sido um assíduo frequentador do Quintal, Dody traz uma visão íntima da simbologia do lugar. Para compor o documentário, viajou a Paulo Afonso, terra natal de Franco, considerada a “capital” do Raso da Catarina, e filmou também em Piranhas e Canindé do São Francisco, buscando traduzir a essência sertaneja que inspirou a ambientação do bar em Salvador.
“Precisava registrar esse reencontro. Filmamos no sertão para melhor compreender essa inspiração nordestina, presente não apenas no cardápio, mas no sotaque do ambiente, nas paisagens que evocam a infinitude dos sertões descritos por Euclides da Cunha”, conclui o diretor.
O documentário, que tem a participação do ator Rai Alves, estreou no Cine Glauber Rocha e já foi apresentado no Teatro Martins Gonçalves, na Escola de Teatro da UFBA, recebendo elogios do público e da crítica pela sua abordagem sensível e histórica.
SERVIÇO:
O que: Sessão do documentário O Senhor do Raso da Catarina
Onde: Sala Walter da Silveira – Rua General Labatut, 27 – Barris – Salvador (BA)
Quando: 16 de abril de 2025
Horário: 19h30
Entrada gratuita