A mulher está na reta final da gravidez e ouve de alguém bem pessimista: “Guarde na memória a imagem da sua sala arrumada porque depois que o bebê nascer, você verá brinquedos em todos os cantos” ou “Você nunca mais vai encontrar suas coisas. Criança bagunça tudo”. Além de serem comentários de péssimo gosto, não são verdadeiros. Ter filhos não é sinônimo de dar adeus à ordem, e pais comprometidos com o pleno desenvolvimento de suas crianças ensinam a elas desde cedo a importância de serem organizadas.
O modo de passar essas noções muda de acordo com a fase do desenvolvimento, mas o objetivo é sempre o mesmo: mostrar que os filhos podem e devem cuidar de seus espaços e de seus pertences (brinquedos, material escolar, roupas) por conta própria. “Os pais que se preocupam com isso não só permitem que a criança desenvolva uma nova habilidade e promova sua autoestima como também oferecem um cuidado que vai ajudá-la a assimilar a noção de responsabilidade”, afirma a psicóloga clínica Carla Poppa, mestre em desenvolvimento infantil pelo núcleo de psicossomática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Exemplo
Algumas crianças nascem com mais propensão à ordem, outras têm uma pequena tendência à bagunça. Todas podem entrar no ritmo de organização da casa, desde que vejam a mãe e o pai agindo de acordo com o que pedem. “É muito difícil um filho ter o cuidado de manter as coisas no lugar se os adultos não fizerem isso. Sem o bom exemplo, ele questionará a razão de só ele precisar ser ‘certinho’”, explica a personal organizer Ingrid Lisboa.
Eliete Teixeira, consultora de organização, segue a mesma linha de raciocínio: “O antigo ‘Faça o que mando, não o que faço’ não funciona há muito tempo. Os pais devem ter cuidado com suas atitudes diante dos filhos”.
Um pouco de bagunça não faz mal
Uma vez que a criança tenha o sentido de organização bem consolidado em sua educação, permitir um pouco de caos em determinadas atividades não faz mal. Pelo contrário. “Brincadeiras de crianças e trabalhos de adolescentes e adultos que exigem criatividade geralmente rendem resultados muito positivos de crescimento e trocas, mas é comum que provoquem bagunça”, aponta a psicóloga Carla.
“Apenas é importante desenvolver a habilidade de organização para lidar com ela. Assim, a brincadeira e os trabalhos não precisam ser reprimidos, porque as pessoas envolvidas sabem que podem arrumar tudo com tranquilidade quando a atividade terminar”, finaliza.
Confira, a seguir, como se dá o desenvolvimento psicológico no que diz respeito ao entendimento da importância da organização em cada fase do amadurecimento e algumas dicas para que os pais ensinem – sem autoritarismo – os filhos a serem organizados.
Até os 4 anos
Nessa fase, a criança não tem noção da relação entre o que faz (brincadeira) e a consequência (bagunça), então nem adianta querer cobrar que ela guarde os brinquedos nos lugares corretos toda vez que brincar. “Esse tipo de exigência antes que a criança tenha maturidade ou habilidade para tanto pode trazer tristeza e confusão”, diz Carla Poppa. O melhor nos primeiros anos é fazer junto, para que o hábito da organização comece a se enraizar.
- Brincadeira de organizar: assim que seu filho demonstrar que não quer mais brincar e que vai abandonar seus objetos, chame-o para um “jogo de guardar”, em que o objetivo é deixar tudo em seu devido lugar. O adulto pode segurar caixas e sacolas e incentivar a criança a colocar brinquedos e jogos dentro delas.
- Estímulos visuais: cole do lado de fora de caixas organizadoras imagens dos brinquedos que deverão preenchê-las (bonecas, carrinhos, bichos de pelúcia, bolas, entre outros). Mostre para a criança que as fotos são iguais aos objetos com que se diverte, e que ela deve fazer um jogo de associação para saber onde guardar cada um deles.
A criança deve ser responsável pela arrumação das próprias roupas a partir dos 9 anos
Dos 5 aos 8 anos
A criança já consegue perceber quando a bagunça foi causada por algo que ela fez, então os pais podem pedir que ela se responsabilize e arrume seus brinquedos. É importante ficar atento ao tom de voz usado para tanto: se for semelhante a uma bronca, mesmo que sem intenção, seu filho pode começar a ter medo de brincar. Isso é um perigo, alerta Carla: “Uma criança que não brinca fica impedida de aprender, de interagir, de expressar sua criatividade”.
- Brinquedos sempre guardados: quando não estiverem em uso, eles devem ficar em suas respectivas caixas ou sacolas. Como a criança já desenvolveu a habilidade para fazer isso, entende que a ordem é sua obrigação e tenderá a cumprir essa tarefa espontaneamente. Caso ela esqueça, lembre-a com delicadeza.
- Mesa posta: seu filho pode arrumar a mesa do almoço e do jantar todos os dias. No começo, auxilie no sentido de mostrar como isso pode ser feito com mais simplicidade (a ordem de colocar os objetos, por exemplo). Depois de um período, deixe-o fazer tudo sozinho. Se ele ficar confuso, pedirá ajuda (que deverá ser dada).
- Cama feita: assim que acordar, a criança deve arrumar sua cama. Como se trata de uma atividade nova, no início estique lençóis e cobertores com ela, para demonstrar como deve ser feito. Quando ela conseguir dar conta da arrumação sozinha, saia de cena. E se algo não estiver tão simétrico como você gostaria, resista à tentação de refazer tudo na ausência de seu filho e explique a ele depois como o resultado pode ser melhor na próxima vez.
Dos 9 aos 12 anos
Com a proximidade da adolescência, é normal a criança ficar mais questionadora sobre seu papel na casa e na família. Caso seu filho se comporte de modo a precisar ser convencido a continuar exercendo suas tarefas, entre no jogo, mas deixe claro que quem dita as ordens do lar são a mãe e o pai. “Paciência, criatividade e manutenção das rotinas anteriores não podem faltar nessa hora”, destaca Eliete.
- Roupas dobradas e guardadas: além de continuar colocando a mesa e arrumando a cama, seu filho deve passar a ser responsável pelas próprias roupas. Combine com ele onde as peças limpas serão colocadas e, a partir dali, é tarefa dele dobrá-las e guardá-las nas gavetas corretas. Caso note que a dobra não está perfeita ou mesmo que alguns amassados surgiram durante a arrumação, não refaça o trabalho dele, mas ensine-o a melhorar.
Dos 13 anos em diante
O adolescente que vem de um padrão de organização e responsabilidade desde a primeira infância não terá dificuldade para manter suas tarefas (colocar a mesa, arrumar a cama, dobrar e guardar as roupas) e acrescentar novidades ao cotidiano. Algumas mudanças ocorrem, porém, e é preciso respeitá-las. “São muitos questionamentos nessa fase, então uma dobra mal feita na roupa passa a ser irrelevante. Também é muito comum eles desenvolverem esquemas próprios: aos olhos dos outros, a pilha de materiais escolares parece o caos, mas eles conseguem encontrar tudo que querem lá. Então, tudo bem”, conta Ingrid.
- Livros e cadernos em ordem: incentive seu filho a organizar um espaço no quarto para guardar livros, cadernos e outros acessórios necessários para as aulas. Nunca arrume os itens na ausência dele. Caso considere que o visual está bagunçado demais, converse com o adolescente. Se ele insistir que está bom, deixe-o se encontrar daquela maneira.
- Toalhas secas: pare de recolher as toalhas molhadas que o adolescente larga pelo quarto (muitas vezes, para desespero da mãe, em cima da cama) e explique que a partir de agora ele é o responsável por deixá-las arejadas para o próximo uso. Ele pode resistir um dia, mas logo passará a recolher as toalhas, pois precisa delas para sair do banho e se enxugar.
Original: iG