Publicidade
Com as melhores intenções e depois de muitos anos de discussão, foi sancionada no último mês, pelo presidente Jair Bolsonaro a nova lei de licitações públicas, que vem para substituir as leis 8.666, do Pregão e do RDC.
Destacam-se as seguintes positivas inovações: (i) nova modalidade de contratação, a do diálogo competitivo; (ii) critério de julgamento por maior retorno econômico; (iii) previsão da adoção de novas tecnologias como o BIM; (iv) obrigatoriedade de as empresas contratadas implantarem sistemas de integridade; (v) possibilidade do uso de arbitragem para dirimir conflitos.
Com certeza a nova lei será objeto de debates jurisprudenciais, acadêmicos e dos setores produtivos. Mas desde já se pode trazer uma reflexão sobre a perda de oportunidade que tivemos com a nova lei, que não consegue verdadeiramente trazer modernização para as contratações públicas. O Brasil continua insistindo na ampliação infinita de regras, procedimentos e comandos para gerir o Estado e a sociedade, na vã crença de que assim ajudará todos a seguirem em Ordem e Progresso. Estamos dando ‘murro em ponta de faca’ há mais de cem anos, e não parece estarmos próximos de mudança.
Sempre que aparecem escândalos de corrupção e fraudes em contratações públicas, o que fazem nossos legisladores? Elaboram leis mais rígidas, lotadas de procedimentos e regras que supostamente deveriam melhorar a conduta de maus gestores e agentes privados. A primeira "lei de licitações" no Brasil foi o Decreto-lei 200, de 1967, com 19 artigos sobre contratação pública. A segunda foi o Decreto-lei 2.300, de 1986, com 90 artigos. Sete anos depois, em 1993, publicou-se a Lei 8.666, com 126 artigos. E agora, com essa nova lei, inauguram-se 191 artigos, com milhares de normas. Pelo que se sabe, o ambiente de corrupção e fraudes nunca foi atenuado por causa de maiores rigores legais.
Ademais, ela, assim como as anteriores, tenta prever o futuro e as hipóteses do mundo real, imaginando que se for capaz de limitar as alternativas do administrador e da sociedade para inovarem e escolherem as melhores soluções possíveis, ela terá impedido que haja desvio de conduta. Ou seja, não aprendeu absolutamente nada com as experiências de décadas e décadas, e nem com os modelos de outros países mais bem sucedidos em termos de contratações públicas.
Como se não bastassem as inúmeras regras e procedimentos que uniformemente dirigirão tanto um prefeito de município pequeno e empobrecido quanto o diretor do Banco Central, a nova lei se arvora na capacidade de alterar a realidade do mundo físico ou da engenharia, criando ficção incompatível com a natureza e a matemática. Bons exemplos são as normas constantes dos artigos 127 e 128, que obrigam o particular contratado a aceitar, no curso de seu contrato, novos serviços com preços fictícios, retirados da errônea aplicação de um percentual médio de desconto que o contratado ofertou na licitação, ou seja, em data muito anterior à introdução de nova obrigação; é como se a Administração Pública pudesse se beneficiar criando um novo serviço e impondo ao contratado que o execute com preços que ele não poderia aceitar sem ter prejuízo. Tal regra, além de violar a lógica da engenharia de custos, descumpre a Constituição, em seu artigo 37, inciso XXI.
Situação ainda pior acontece com o artigo 178, introduzindo um novo tipo no Código Penal brasileiro, o do artigo 337-O, em que passará a ser crime, com pena de reclusão de até 3 anos, o ato de entregar à Administração Pública, em "relevante dissonância com a realidade", informações como projetos, sondagens e topografias, mesmo que na modalidade culposa (imperícia ou negligência). Imaginem o que se transformará a vida dos engenheiros, quando identificarem que os projetos por eles concebidos não se aplicam exatamente à mecânica dos solos de dada obra. Como se sabe, a engenharia não é capaz de prever integralmente a realidade física e geológica, v.g, de um maciço rochoso, podendo acontecer imprecisões. Isso é um fenômeno que não pode ser mudado pela lei humana, pois é da natureza e das limitações da tecnologia. Deveria o legislador se preocupar com a conduta dolosa do agente, dirigida para fraudar, como já prevista na ordem jurídica.
Não obstante haver equivocada insistência na criação de prolixas leis para melhorar o ambiente de contratações públicas, pode-se dizer que a nova lei de licitações tem méritos e poderá ampliar a segurança jurídica, caso bem aplicada pelos gestores, órgãos de controle e Judiciário.
Com certeza a nova lei será objeto de debates jurisprudenciais, acadêmicos e dos setores produtivos. Mas desde já se pode trazer uma reflexão sobre a perda de oportunidade que tivemos com a nova lei, que não consegue verdadeiramente trazer modernização para as contratações públicas. O Brasil continua insistindo na ampliação infinita de regras, procedimentos e comandos para gerir o Estado e a sociedade, na vã crença de que assim ajudará todos a seguirem em Ordem e Progresso. Estamos dando ‘murro em ponta de faca’ há mais de cem anos, e não parece estarmos próximos de mudança.
Sempre que aparecem escândalos de corrupção e fraudes em contratações públicas, o que fazem nossos legisladores? Elaboram leis mais rígidas, lotadas de procedimentos e regras que supostamente deveriam melhorar a conduta de maus gestores e agentes privados. A primeira "lei de licitações" no Brasil foi o Decreto-lei 200, de 1967, com 19 artigos sobre contratação pública. A segunda foi o Decreto-lei 2.300, de 1986, com 90 artigos. Sete anos depois, em 1993, publicou-se a Lei 8.666, com 126 artigos. E agora, com essa nova lei, inauguram-se 191 artigos, com milhares de normas. Pelo que se sabe, o ambiente de corrupção e fraudes nunca foi atenuado por causa de maiores rigores legais.
Ademais, ela, assim como as anteriores, tenta prever o futuro e as hipóteses do mundo real, imaginando que se for capaz de limitar as alternativas do administrador e da sociedade para inovarem e escolherem as melhores soluções possíveis, ela terá impedido que haja desvio de conduta. Ou seja, não aprendeu absolutamente nada com as experiências de décadas e décadas, e nem com os modelos de outros países mais bem sucedidos em termos de contratações públicas.
Como se não bastassem as inúmeras regras e procedimentos que uniformemente dirigirão tanto um prefeito de município pequeno e empobrecido quanto o diretor do Banco Central, a nova lei se arvora na capacidade de alterar a realidade do mundo físico ou da engenharia, criando ficção incompatível com a natureza e a matemática. Bons exemplos são as normas constantes dos artigos 127 e 128, que obrigam o particular contratado a aceitar, no curso de seu contrato, novos serviços com preços fictícios, retirados da errônea aplicação de um percentual médio de desconto que o contratado ofertou na licitação, ou seja, em data muito anterior à introdução de nova obrigação; é como se a Administração Pública pudesse se beneficiar criando um novo serviço e impondo ao contratado que o execute com preços que ele não poderia aceitar sem ter prejuízo. Tal regra, além de violar a lógica da engenharia de custos, descumpre a Constituição, em seu artigo 37, inciso XXI.
Situação ainda pior acontece com o artigo 178, introduzindo um novo tipo no Código Penal brasileiro, o do artigo 337-O, em que passará a ser crime, com pena de reclusão de até 3 anos, o ato de entregar à Administração Pública, em "relevante dissonância com a realidade", informações como projetos, sondagens e topografias, mesmo que na modalidade culposa (imperícia ou negligência). Imaginem o que se transformará a vida dos engenheiros, quando identificarem que os projetos por eles concebidos não se aplicam exatamente à mecânica dos solos de dada obra. Como se sabe, a engenharia não é capaz de prever integralmente a realidade física e geológica, v.g, de um maciço rochoso, podendo acontecer imprecisões. Isso é um fenômeno que não pode ser mudado pela lei humana, pois é da natureza e das limitações da tecnologia. Deveria o legislador se preocupar com a conduta dolosa do agente, dirigida para fraudar, como já prevista na ordem jurídica.
Não obstante haver equivocada insistência na criação de prolixas leis para melhorar o ambiente de contratações públicas, pode-se dizer que a nova lei de licitações tem méritos e poderá ampliar a segurança jurídica, caso bem aplicada pelos gestores, órgãos de controle e Judiciário.
Alexandre Aroeira Salles
é doutor em Direito e sócio fundador da
Aroeira Salles Advogados