Tráfico de drogas, pornografia infantil, crimes de ódio e terrorismo são algumas das modalidades de crime estimuladas pela recusa do WhatsApp em suspender a criptografia, adotada pelo aplicativo, em aparelhos de usuários suspeitos de práticas criminosas, a partir de determinação judicial.
O alerta é do Ministério Público estadual – por meio dos procuradores-gerais que chefiam o órgão em diversas unidades da federação – e do Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas (GNCOC).
“As empresas estrangeiras que prestam serviços no Brasil vêm ignorando a legislação brasileira, o que inviabiliza muitas investigações e resulta em riscos como tráfico de drogas, pornografia infantil, crimes de ódio e até mesmo terrorismo na rede”, advertem os procuradores, em nota.
Ainda segundo os procuradores, “o uso do modelo criptográfico nas comunicações ponto a ponto é tema da mais alta complexidade que envolve, de um lado, a política de segurança adotada quanto aos conteúdos das mensagens e a privacidade dos usuários e, de outro, a maior dificuldade na obtenção de provas nas varas cível e criminal”.
Alertam ainda, no mesmo documento, que “habitualmente as empresas utilizam este argumento para também se esquivar da obrigação de fornecer registros de comunicação, dados armazenados e os metadados, que não são criptografados”.
Eles apontam o artigo 12 do Marco Civil da Internet (MCI) que “busca assegurar a eficácia das decisões judiciais brasileiras em tema de dados de Internet” contra o “principal argumento das empresas para o não fornecimento de dados que trafegam em aplicativos de mensagens online ou em redes de relacionamento, que é o de que tais companhias não se submetem à jurisdição brasileira por não terem sede no País”.
De acordo com o professor de Direito Constitucional do Brasil Jurídico, Gabriel Marques, o aplicativo gratuito de comunicação por áudio, vídeo, texto e telefonia, “se converteu em verdadeiro paraíso da criminalidade no universo digital, notadamente no Brasil”.
Para Marques, “os criminosos preferem se comunicar pelo WhatsApp pelo fato de as mensagens serem criptogradas”, mas considera que “os pedidos de bloqueio do aplicativo por representantes do Judiciário, mesmo tecnicamente bem embasados, na medida em que atingem a todos os 100 milhões de usuários no país e por conta das decisões cautelares do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender tais medidas, têm gerado insegurança jurídica”.
Gabriel Marques demonstrou que, “além do Marco Civil da Internet, instituído em 2014, existe a Lei de Interceptação Telefônica, de 1996, que também se aplica às comunicações eletrônicas e que, embora garantam a privacidade dos usuários, ressaltam o acesso a informações sob ordem judicial”.
Para ele, “falar de privacidade hoje é diferente de como a entendíamos no passado, na medida em que temos, atualmente bem menos proteção do que existia, mas a privacidade não ser alegada como um princípio que só beneficiará práticas criminosas”.
Para Tamírides Monteiro, conselheira da OAB-BA e secretária geral da Comissão de Informática do Conselho Federal da entidade, “a questão sobre até onde chega a legalidade do WhatsApp no Brasil em desrespeito à legislação nacional, pelo fato de não possuir sede no país, ainda está sendo discutida no Conselho Nacional de justiça (CNJ)”.
Ela admite que o “aplicativo gringo”, como denominou, tem “grande importância pelas características de comunicação instantânea e pela redução de custos para os usuários”. Chegou a afirmar que “eles já obedeceram a determinação judicial em outros países”, ainda que não soubesse mencionar quais, “mas se mantêm irredutíveis no Brasil”.
Desde os primeiros anos do século 21, notadamente a partir de 2003, a tecnologia digital revolucionou completamente o mundo com o surgimento de grandes grupos como o Google, Youtube e Facebook.
Com a popularização dos smartphones (telefones inteligentes), em 2008, as formas de comunicação através de aparelhos móveis alteraram completamente as rotinas de trabalho e entretenimento.
As informações passaram a circular com mais rapidez, mesmo para longas distâncias, e o fluxo de informações adquiriu, desde então, a característica da instantaneidade. Em suma, as rotinas de comunicação, antes limitadas ao ambiente analógico, foram aceleradas. Com o advento das redes sociais, mudamos completamente o modo como passamos a nos relacionar.
A rede social do momento é o WhatsApp, onde é possível criar grupos para compartilhar, em tempo real, informações, fotos, vídeos, localização, conversas. Muitos já utilizam o sistema como ferramenta de trabalho e se mostram prejudicados com as decisões de bloquear de modo abrangente este comunicador.
O aplicativo foi adquirido pelo Facebook em outubro de 2014 por US$ 22 bilhões. No início de 2015, o WhatsApp dispunha de 500 milhões de usuários, número que duplicou em mesmos de um ano. Em fevereiro de 2016 já contabilizava um bilhão de utilizadores em todo o planeta.
Conforme a conselheira da OAB-BA Tamírides Monteiro, o WhatsApp “tem feito chacota das leis brasileiras” e considerou que o país não pode abrir as portas para produtos estrangeiros que adotam comportamento à revelia das leis, como se estivéssemos a liberar a circulação da muamba estrangeira”.
Conforme Monteiro, os avanços da informática não param e novas legislações serão necessárias para regulamentar o setor. Para ela, “o bloqueio e as multas ao aplicativo são medidas cabíveis, tendo em vista que ordem judicial é para ser cumprida”, ponderando que “para contestar as deliberações judiciais existem recursos e apelações”.
De todo modo, afirmou “não defender o banimento do aplicativo do país, mas sua adequação à legislação, embora seus donos adotem posturas como respostas em inglês à Justiça, como forma de achaque e para assegurar não dispor de sede no Brasil, o que não os torna imunes, pois tal condição também está prevista na legislação”.
Outro aspecto das controvérsias geradas pelo aplicativo envolve o fato de juízes do Distrito Federal terem passado a adotá-lo para o envio de intimações.
Em recente audiência pública promovida pela OAB-DF debateu a sistemática, mas não se conseguiu chegar a um senso comum.
Enquanto oficiais de justiça defendiam a iniciativa como forma de evitar terem que se expor em lugares perigosos, foi arguido o quanto as pessoas podem alegar não terem lido a mensagem, ou utilizar o mecanismo de ocultar a visualização do acesso e sobre como ficariam guardadas as conversas geradas entre intimados e a Vara Judicial.
Ela ressaltou o contexto local, observando que “Salvador, por exemplo, tem vários pontos cegos de Internet e na Bahia há lugares remotos onde não há conexão de Internet”.