É sabido que em épocas de propaganda eleitoral no país, candidatos e marqueteiros manifestam toda a sua criatividade para conseguir o voto dos eleitores. Exemplo recente e mais reconhecido disso foi o do atual Deputado Federal Francisco Everardo Oliveira Silva, pelo Partido da República (PR) em São Paulo, popularmente conhecido como “Tiririca”, com o seu jargão “pior do que tá não fica, vote Tiririca”.
As musiquinhas de campanhas políticas (jingles) são até esperadas pelos eleitores e logo “viralizam”.
Nessas eleições de 2016, em Itabela, o candidato ao cargo de Prefeito pelo Partido Socialista Brasileiro – PSB, da Coligação “Vamos resgatar Itabela”, Wesley Vieira Barros (Leleu da Sacaria), adotou em sua propaganda eleitoral por meio de carros de som, passeatas e no horário gratuito em rádios o jingle intitulado “O povo quer o liso”.
O jingle faz uma alusão ao “barãozinho” e traz uma crítica ao abuso do poder econômico nas eleições. Trata-se de um verdadeiro fato político, e, como tal, com repercussão jurídica relevante, pois como propaganda eleitoral deve ser analisada a sua legalidade, a fim de posicionar o seu exercício regular ou abuso desse direito.
Antes disso, é necessário esclarecer que pela propaganda eleitoral o candidato pede ao eleitor o voto, expondo, por meio dela, o propósito de sua candidatura, informando sobre o programa partidário e sobre os seus projetos de atuação nas diversas demandas sociais caso eleito, fazendo críticas à realidade social, econômica, política, a governantes e outros candidatos, tudo na tentativa de convencer o eleitorado.
Desse modo, pode-se afirmar que a propaganda eleitoral está relacionada à liberdade de opinião e expressão.
A liberdade de opinião e expressão foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas como um dos direitos humanos, enunciado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948:
“Artigo XIX. Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.
No plano nacional, a liberdade de expressão é direito fundamental, individual e coletivo, assegurada pela lei maior do país, a Constituição brasileira de 1988, nos seguintes termos:
“Art. 5º. (…):
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.”.
“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição observado o disposto nesta Constituição.
É também assegurado na Constituição brasileira de 1988 a “vedação de toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”, nos termos do §2º do artigo 220 da Constituição brasileira de 1988.
Na liberdade de opinião e expressão está compreendido também o direito à crítica e o direito de protesto.
A mensagem contida no referido jingle somente pode ser compreendida como adequada para o exercício regular do direito à liberdade de expressão na propaganda eleitoral, caso a mesma, ao criticar e repudiar o abuso do poder econômico nas eleições, tenha por finalidade esclarecer e chamar atenção do eleitorado para os malefícios desta prática eleitoral.
Mas nem sempre as propagandas eleitorais visam ao sério esclarecimento do eleitorado, e, desviando dessa finalidade, se tornam ilegais. E nesse sentido é que o referido jingle merece críticas.
Conforme dispõe o artigo 243, incisos I a IX, da Lei Federal nº. 4.737 (Institui o Código Eleitoral), de 15 de julho de 1965, não será tolerada propaganda:
I – de guerra, de processos violentos para subverter o regime, a ordem política e social ou de preconceitos de raça ou de classes;
II – que provoque animosidade entre as Forças Armadas ou contra elas, ou delas contra as classes e instituições civis;
III – de incitamento de atentado contra pessoa ou bens;
IV – de instigação à desobediência coletiva ao cumprimento da lei de ordem pública;
V – que implique em oferecimento, promessa ou solicitação de dinheiro, dádiva, rifa, sorteio ou vantagem de qualquer natureza;
VI – que perturbe o sossego público, com algazarra ou abusos de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;
VII – por meio de impressos ou de objeto que pessoa inexperiente ou rústica possa confundir com moeda;
VIII – que prejudique a higiene e a estética urbana ou contravenha a posturas municipais ou a outra qualquer restrição de direito;
IX – que caluniar, difamar ou injuriar quaisquer pessoas, bem como órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública.
É que o referido jingle não pode criar no eleitorado uma ideia de divisão social entre “lisos” e “barãozinhos”, sob o risco de tal propaganda eleitoral ser considerada ilegal, nos termos do artigo 243, inciso I, do Código Eleitoral, ao contrariar o fundamento constitucional de proibição de quaisquer formas de discriminação. Na redação do seu artigo 5º, a Constituição brasileira de 1988 assegura como direito fundamental a igualdade de todos perante a lei, brasileiros ou estrangeiros residentes no país, sem distinção de qualquer natureza.
Ressalta-se, ainda, que a liberdade de expressão não é um direito absoluto, podendo sofrer limitações quando o seu exercício entrar em colisão com outros direitos fundamentais previstos na Constituição. O limite do direito à liberdade de expressão é o que hoje se conceitua como “discurso do ódio”, ou seja, quando a opinião ou a crítica é marcada por elementos que expressam ou estabelecem algum tipo de discriminação.
A diversidade e pluralidade são marcas que caracterizam o povo. Em sua formação o povo é constituído por pessoas ricas e pobres; brancas e negras; urbanas e rurais; homens, mulheres e homossexuais; crianças, adolescentes, adultos e idosos etc. Desse modo, em seu artigo 3º, inciso IV, a Constituição brasileira de 1988 impõe como um dos objetivos republicanos o de “promover o bem de todos, sem preconceitos”.
Além disso, é sempre bom lembrar que o voto de cada um tem o mesmo valor, ou seja, é unitário, conforme dispõe o artigo 14 da Constituição brasileira de 1988.
Por outro lado, um dos ensinamentos bíblicos é que Deus não faz acepção de pessoas. Isso pode ser visto na Bíblia:
- “Porque, para Deus, não há acepção de pessoas” (Rm 2.11);
- “Reconheço por verdade que Deus não faz acepção de pessoas” (At 10.34);
- “Não façais acepção de pessoas no julgamento: ouvireis de igual modo o pequeno e o grande” (Dt 1.17).
Por todas essas razões podemos concluir o seguinte: independentemente se “lisos” ou “barãozinhos”, somos todos cidadãos do Município de Itabela!
Dr. Leonardo Oliveira Varges
Advogado - OAB/BA nº 29.178
Rua Santos Dumont nº 72 (Centro) – Itabela/BA