Como importantes agentes de captação de votos, o grande dilema das atuais Vereadoras e dos atuais Vereadores na eleição geral federal 2022 é manterem-se fiéis aos seus partidos políticos, pois, na maioria das situações, isso nem sempre é possível ou viável, devido a conjuntura de interesses da política local que exige dos edis a formação de alianças com candidatas ou candidatos ao cargo de Deputado Federal pertencentes a outros partidos políticos.
A compreensão desse dilema exige conhecer, primeiramente, que o ato de fazer campanha eleitoral para candidatura de outro partido político caracteriza ato de infidelidade partidária; além disso, também se revela importante saber quais são as consequências negativas da infidelidade partidária, tanto para o edil quanto para a legenda.
Em consulta aos estatutos vigentes dos partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), verifica-se o estabelecimento de regra que considera, como ato de infidelidade partidária, a ação de filiado em fazer campanha eleitoral para candidata ou candidato de outro partido político, contrariando, assim, o interesse partidário e as deliberações de convenção de escolha de candidatas e candidatos para as eleições. A título de exemplo, segue abaixo a citação das normas estatutárias dos seguintes partidos políticos:
Estatuto do Partido dos Trabalhadores (PT), de 3.6.2017 (aprovado pelo TSE em 17.10.2017)
“Art. 229. A infidelidade partidária se caracteriza pela desobediência aos princípios doutrinários e programáticos, às normas estatutárias e às diretrizes estabelecidas pelos órgãos competentes.
§ 1º Considera-se ato de infidelidade partidária, sujeitando o infrator ou infratora aplicação sumária da pena de cancelamento do registro da candidatura na Justiça Eleitoral e à expulsão simultânea do Partido, o candidato ou candidato do Partido que, contrariando as deliberações de Convenção e os interesses partidários, fizer campanha eleitoral para candidato ou candidata ou partido adversário.” (sic).
Estatuto do Progressistas (PP), de 22.4.2021 (aprovado pelo TSE em 19.8.2021)
“Art. 95. (...):
§ 5º Considera-se ato de infidelidade partidária, sujeitando o infrator à aplicação sumária da pena de cancelamento do registro da candidatura na Justiça Eleitoral e expulsão simultânea do Partido, ao candidato que, contrariando as deliberações de Convenção e os interesses partidários, fizer campanha eleitoral para candidato ou partido adversários.”.
Estatuto do Republicanos, de 13.12.2021 (aprovado pelo TSE em 28.4.2022)
“Art. 61. Os eleitos pelo REPUBLICANOS poderão ser punidos com advertência, suspensão ou expulsão, sem prejuízo de ações criminais e civis, nos seguintes casos:
(...)
III - Manifestarem, formal ou informalmente, apoio político a candidato, a governo ou qualquer outra personalidade pública que, notoriamente, contrarie os interesses do REPUBLICANOS.
§ 1º Nos casos dos incisos ‘III’, ‘IV’ e ‘V, os envolvidos, após o devido processo legal, serão expulsos do REPUBLICANOS.”.
É importante destacar a autonomia dos partidos políticos para estabelecerem normas de fidelidade e disciplina partidária, prerrogativa essa assegurada no § 1º do art. 17 da Constituição Federal de 1988:
Redação dada pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017
§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.
E para reprimir atos de infidelidade partidária desse tipo, a legenda pode aplicar ao filiado infiel quaisquer das penalidades previstas no art. 25 da Lei Ordinária Federal nº. 9.096, de 1995: a) desligamento temporário da bancada; b) suspensão do direito de voto nas reuniões internas; c) perda de todas as prerrogativas, cargos e funções que exerça em decorrência da representação e da proporção partidária na respectiva Casa Legislativa.
Então a responsabilização intrapartidária às referidas penalidades é o risco que as Vereadoras e os Vereadores sofrem caso fizerem campanha eleitoral para candidaturas de outros partidos políticos ao cargo de Deputado Federal.
Por outro lado, o que justifica os partidos políticos fazerem cumprir essa regra de fidelidade partidária é a necessidade da legenda atingir a cláusula de desempenho, e, consequentemente, garantir recursos ou o aumento da sua participação no fundo especial de assistência aos partidos políticos (fundo partidário - FP) e no fundo especial de financiamento de campanha (FEFC), assim como ter acesso ou ampliar o tempo de veiculação de propaganda eleitoral em rádio e televisão, conforme os seguintes parâmetros:
- Condição de acesso dos partidos políticos aos recursos do Fundo Partidário e aos horários reservados à propaganda eleitoral no rádio e na televisão
Para a legislatura seguinte às eleições de 2022 (cf. Art. 3º, parágrafo único, inciso II, da Emenda Constitucional nº. 97, de 2017):
a) obter 2% (dois por cento) dos votos válidos na eleição geral para a Câmara dos Deputados, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 1% (um por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou
b) eleger pelo menos onze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação.
- Distribuição do Fundo Partidário
95% (noventa e cinco por cento) do total do Fundo Partidário distribuídos aos partidos políticos na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados (cf. Art. 41-A, inciso II, da Lei Ordinária Federal nº. 9.096, de 1995).
- Distribuição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC)
a) 35% (trinta e cinco por cento) divididos entre os partidos políticos com ao menos um representante na Câmara dos Deputados, na proporção do percentual dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados (cf. inciso II do art. 16-D da Lei Ordinária Federal nº. 9.504, de 1997);
b) 48% (quarenta e oito por cento) divididos entre os partidos políticos na proporção do número de representantes na Câmara dos Deputados de cada legenda (cf. inciso III do art. 16-D da Lei Ordinária Federal nº. 9.504, de 1997);
- Distribuição dos horários reservados à propaganda eleitoral no rádio e na televisão
90% (noventa por cento) distribuídos proporcionalmente ao número de representantes na Câmara dos Deputados, considerado, no caso de coligação para as eleições majoritárias, o resultado da soma do número de representantes dos 6 (seis) maiores partidos políticos que integrem a coligação (cf. Art. 47, § 2º, inciso I, da Lei Ordinária Federal nº. 9.504, de 1997).
Apesar de na grande maioria dos casos os partidos políticos deixarem os seus edis sem nenhuma opção de candidatura da própria legenda no território de sua atuação política, ou com opções de candidaturas sem nenhuma identificação local (os chamados “candidatos de fora” ou “candidatura cata voto”), isso não elimina o risco da responsabilização por infidelidade partidária para as Vereadoras e para os Vereadores que fizerem campanha eleitoral para candidaturas de outros partidos políticos ao cargo de Deputado Federal.
Portanto, para evitar punições intrapartidárias, as Vereadoras e os Vereadores precisam estar atentos ao que dispuser o estatuto do partido político ao qual estiver filiado, bem como às resoluções expedidas pelo respectivo Diretório Nacional e as deliberações tomadas em convenções de escolha de candidatas e candidatos para a eleição geral federal 2022.