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MULHERES NO PODER

Mulheres representam 45,8% dos filiados a partidos políticos em 2022, mas apenas 15% na política

Após 90 anos da conquista do voto feminino, a participação das mulheres no mundo político continua desafiadora

Por: Clic101 | Reprodução: A Tarde
Publicado em 28/07/2022 10:08

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As mulheres representam 45,8% dos filiados a partidos políticos do país em 2022. Em 2018, quando eram 44,4%, ficaram só com 16% dos 1.790 postos em disputa, entre Congresso, Assembleias, governos estaduais e Presidência.

 

Passados 90 anos da conquista do voto feminino, a participação das mulheres na política continua desafiadora e não menos paradoxal. Mesmo sendo a maioria da população brasileira, correspondendo a 52,5% do eleitorado do país, o gênero ainda é o que tem menor representação em cargos legislativos e executivos, bem como em outros espaços de poder nos setores públicos e privados. Nos 417 municípios baianos, conforme o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), apenas 12,7% são dirigidos por prefeitas. Em todo o estado da Bahia, as porcentagens de deputadas federais e estaduais e vereadoras eleitas no último pleito, em 2018, foram 7,7%, 15% e 13,5%, respectivamente.

 

O cenário é vexatório: o Brasil é o penúltimo país da América Latina em representatividade feminina nos parlamentos. E o desafio da atualidade passa pelo enfrentamento da violência política de gênero, que inclui agressões física, psicológica, econômica e simbólica ou sexual, visando impedir ou restringir o acesso feminino a cargos políticos. Na totalidade dos municípios baianos, há somente 53 prefeitas (e 59 vice-prefeitas) nas administrações públicas, conforme dados da União dos Municípios da Bahia (UPB). Somando-se ao número de vereadoras nos legislativos municipais, apenas 25% das gestões têm presença feminina. Em nível nacional, apesar de 34% de mulheres terem concorrido nas eleições para deputada federal, em 2018, apenas 15% foram eleitas.


A desembargadora eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA), Zandra Parada, lembra que o voto feminino é resultado de intensa mobilização social e, por isso, deve ser celebrado sempre. “Mas em uma sociedade estruturalmente machista, como a brasileira, apenas o voto não é capaz de garantir a participação das mulheres na política”, considera a magistrada, que também é presidente da Comissão de Participação Feminina no TRE-BA. Zandra destaca que “o movimento sufragista no Brasil teve a atuação de mulheres negras, para quem a realidade, naquele início dos anos 1930, era mais complexa – e segue assim –, dado o histórico colonial de escravidão no país”.


Ao longo dos anos, pontua a representante do TRE-BA, o Brasil tem aprovado legislações eleitorais que visam um equilíbrio de participação política. “Temos, por exemplo, a obrigatoriedade mínima de 30% e máxima de 70% para candidaturas de cada gênero. Incentivar a participação feminina na política é um grande desafio, mas estamos envidando esforços para tanto. Desejamos, sobretudo, contribuir no combate a uma proposta que tem efeitos nocivos: as candidaturas de fachada. Na tentativa de coibir esses desvios, novas legislações foram aprovadas, como a reserva de 30% do Fundo Eleitoral e do tempo de propaganda, além da quantidade de verba proporcional ao número de candidatas”, afirma, acreditando que o próximo passo deva ser a reserva de cadeiras, a exemplo do que já acontece na Argentina, onde a lei assegura um número igual de mulheres e homens no congresso.


Apoio financeiro

Acadêmicas, pesquisadoras e parlamentares baianas são unânimes em afirmar que a explicação para os números baixos passa, principalmente, pela desigualdade na divisão sexual do trabalho e pela falta de apoio financeiro dos partidos políticos às candidaturas de mulheres. Para amenizar esta questão, o Supremo Tribunal Federal (STF) criou, em 2017, o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, definindo que 30% desse fundo fossem destinados às candidaturas de mulheres.


A presidente da Comissão de Direitos das Mulheres da Assembleia Legislativa da Bahia, deputada Olívia Santana, reflete sobre as dificuldades enfrentadas pelas mulheres que ocupam cargos legislativos ou executivos. “Historicamente, os espaços de poder foram ocupados por homens brancos e ricos. Nós, mulheres, conseguimos no século passado conquistar o direito ao voto e só agora estamos materializando o direito de sermos votadas. Mas essa sociedade ainda nos nega sistematicamente ter um sistema de representação”.

 

Olívia considera que o financiamento das campanhas teve avanços, mas ainda é um gargalo. “É uma luta para a mulher entrar nas direções dos partidos e se candidatar, bem como ter acesso ao financiamento de campanha de maneira justa e equânime, tanto em relação ao Fundo Eleitoral como nas doações individuais”. Na sua opinião, é preciso uma gestão política democrática que crie mecanismos facilitadores de uma maior participação das mulheres, sobretudo negras e da classe trabalhadora, incluindo o fortalecimento de políticas públicas voltadas à igualdade de direitos, que incluem, por exemplo, uma educação para equidade de gênero e paridade de gênero na ocupação dos espaços de poder.

 

“O Brasil ainda mantém uma mentalidade do século passado. O machismo e o racismo estrutural desenham os espaços de poder. Sem luta política concreta, não serão derrubadas essas estruturas que mantêm as mulheres afastadas da política e dos centros de decisão”, afirma Olívia Santana, ressaltando que a comissão entregou um documento ao TRE-BA contendo proposta que contribuem com o avanço das políticas públicas voltadas para o empoderamento das mulheres na disputa eleitoral.


Na América Latina

A professora e pesquisadora da Universidade Federal da Bahia (Ufba), doutora e pós-doutora em Ciência Política, Teresa Sacchet, acumula no seu currículo pesquisas sobre temas como partidos políticos, cotas, financiamento eleitoral, políticas públicas e representação. A especialista destaca que o Brasil, sendo um dos países da América Latina com números mais baixos de representações femininas nas câmaras de deputados, perde para México, Bolívia, Costa Rica, Nicarágua e Argentina, cujo percentual ultrapassa o percentual de 40%, chegando a quase 50% em alguns destes.


“Temos, desde 1997, uma legislação eleitoral que estipula a cota de 30% para as mulheres, mas ela foi muito mal implementada. Em 1999 houve uma reforma legislativa, já que os partidos só cumpriam entre 15 a 20% do indicativo”, detalha Teresa Sacchet. Em 2014, lembra a pesquisadora, o termo da legislação foi mudado e, ao invés de “devem”, os partidos “têm” que preencher a cota de 30% de candidatas mulheres. “Ainda assim, o número de eleitas permaneceu abaixo de 10%, até 2018. A partir daí é que esse número passou para 15%”, pontua.


Jornalista e doutora em Ciências Sociais, Maíra Kubík Mano também chama a atenção para o fato de as mulheres continuarem não conseguindo ultrapassar os 15% de eleitas para o legislativo e uma porcentagem ainda menor para o executivo. “Mesmo com a política de cotas, que teve início em 1995 e foi expandida em 1997, temos diversas dificuldades que explicam esse número tão baixo. Primeiro que, na divisão sexual do trabalho, as mulheres têm a responsabilidade das tarefas domésticas e de cuidados e, portanto, têm menos tempo para participar da política institucional. Em segundo lugar, quando as mulheres integram partidos e decidem se candidatar, muitas vezes suas candidaturas não são consideradas prioritárias. Por fim, quando eleitas, há uma dificuldade de permanecer nos espaços devido à violência política de gênero”.


Distribuição de  Fundo Eleitoral apresenta desequilíbrio

A desequilibrada redistribuição dos recursos oriundos do Fundo Eleitoral, por parte dos partidos políticos, é apontada como um dos motivos da sub-representação feminina nas eleições. Criado em 2017, o Fundo Especial de Financiamento de Campanha foi considerado fundamental para aumentar o número de mulheres eleitas. Mas, apesar de em 2018 o Brasil ter computado 34% de mulheres candidatas para o parlamento, somente 15% delas foram eleitas em todo o país. “Isso denota que ainda há grandes desigualdades no processo de disputa eleitoral entre mulheres e homens e, por isso, a discussão ampla sobre o sistema eleitoral brasileiro é muito importante”, avalia a professora e pesquisadora Teresa Sacchet.


A especialista destaca que os partidos repassam o valor referente ao Fundo Eleitoral, mas fazem um acordo para que seja devolvida uma parte do valor por debaixo do pano. “Há outra estratégia de repassar o dinheiro majoritariamente para as mulheres que estão concorrendo à reeleição, o que faz com que não aumente o número de mulheres eleitas. Outros repassam os recursos para os candidatos logo no início da campanha, enquanto que para as candidatas só são transferidos nos últimos 15 dias da eleição, mesmo assim em forma de material de campanha”, detalha.


Violência política

Em meio às inúmeras dificuldades enfrentadas pelas candidaturas femininas, envolvendo principalmente questões institucionais partidárias, um outro fato tem desencorajado as mulheres a se candidatarem, segundo Teresa Sacchet: a violência política. “As eleições de 2020 foram muito agressivas contra as mulheres, especialmente as negras e trans. Quando ela ‘ousa’ entrar no espaço público, considerado masculino, a violência vem com força e de todas as formas”.


O ambiente da política nos últimos anos ficou muito pior e quanto mais se articula para mudar as regras, maior tem sido a reação, conforme a pesquisadora. “Precisamos ter homens aliados nesta luta para abrir mais espaços de poder para mulheres e grupos minorizados. A ampliação da presença feminina na política é uma luta de toda a sociedade democrática”, considera.


Teresa Sacchet / Foto: Roque de Sá | Agência Senado

Lideranças debatem a importância de mais mulheres em espaços de poder

O Brasil é um país extremamente violento com as mulheres, carregando uma das mais altas taxas de feminicídio do mundo e baixíssima participação feminina na política, consequência do machismo estrutural e da cultura do estupro. A importância de cargos legislativos e executivos serem cada vez mais ocupados por mulheres é um debate permanente protagonizado por lideranças políticas e acadêmicas, junto à sociedade. Para que as participações nos espaços de poder entre os gêneros sejam equitativas, acreditam, as políticas públicas que asseguram igualdade de direitos precisam ser incentivadas e fortalecidas, sobretudo a partir de investimento e priorização do Estado.


A presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – secção Bahia (OAB-BA), Daniela Borges, lembra que o Brasil é o quinto país do mundo em número de feminicídios. “Temos um país que assiste, cada vez mais, a violência contra a mulher em diferentes dimensões e formatos. E não há como não perceber a relação que existe entre a ausência de mulheres nos espaços de decisão e a precariedade de políticas de enfrentamento dessa violência. A Lei Maria da Penha é considerada por muitos a terceira melhor lei que trata de violência doméstica e, ao mesmo tempo, falta efetividade a essa lei, porque nós não temos políticas públicas que, efetivamente, tenham o compromisso de transformar essa realidade”, avalia.


O sistema judiciário brasileiro, ressalta a dirigente da OAB-BA, muitas vezes nega efetividade às normas existentes. “E aqui eu falo do Judiciário, do Ministério Público e da advocacia, que, dentro do próprio processo de julgamento, praticam novas violências contra essas vítimas. Nosso sistema de investigação, monitoramento e acompanhamento dessas denúncias, nas quais as mulheres muitas vezes são culpabilizadas, termina sendo um desestímulo a esse enfrentamento. Portanto, termos mais mulheres nos espaços de decisão é uma possibilidade de nós, que vivemos essa realidade, podermos construir políticas e ações e trazermos mais efetividade às normas que hoje tratam esse cenário de enfrentamento à violência contra a mulher”.


Doutora em Ciências Sociais, a jornalista Maíra Mano destaca que é fundamental que o conjunto da população esteja representada no parlamento e no executivo para fortalecer a democracia brasileira. “Hoje, o que temos é uma maioria de homens, brancos, cisgêneros e heterossexuais. Quanto mais diversidade, mais plural a nossa democracia será. Ademais, há pautas de interesse das mulheres que somente são discutidas com maior peso e atenção quando as mulheres estão envolvidas – como por exemplo as questões de saúde reprodutiva e de violência –, por terem experiências de vida que as levam a refletir sobre isso”.


No entanto, contrapõe Maíra Mano, “é importante ter presença de mulheres que se importem com os direitos das mulheres, mulheres feministas, porque há mulheres conservadoras que, infelizmente, quando eleitas atuam contrariamente aos nossos direitos”. A especialista chama a atenção para a necessidade de uma mudança radical de prioridade dos partidos, de investimentos governamentais e de uma reforma política, como já foi feita em outros países, para instituir uma lista fechada com alternância de gênero. “Hoje, vivemos uma situação de precarização da rede de enfrentamento à violência doméstica. Para reverter isso, é preciso, por exemplo, fortalecer as casas-abrigo; abrir mais Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher e rondas Maria da Penha; e ampliar o número de hospitais que realizam abortamento legal”.


A professora e pesquisadora Teresa Sacchet também enaltece a relevância das mulheres nos espaços de poder, destacando que há várias pesquisas demonstrando que as políticas públicas voltadas para as mulheres impactam homens e mulheres de formas diferentes. “Importante que tenhamos mulheres que tragam esse olhar de gênero, de transversalidade de gênero em todas as políticas públicas. E o mesmo vale para pessoas negras. A presença de mais mulheres negras na política traz a perspectiva de membros desse grupo oferecer uma contribuição importante para o processo parlamentar de contribuição nas políticas públicas”.


Para a reitora da Universidade Estadual da Bahia (Uneb), Adriana Marmori, a importância de as mulheres estarem nos espaços de poder está vinculada à luta coletiva por respeito e transformação de vidas, por meio da educação e do conhecimento. “As políticas públicas para as mulheres precisam avançar para além das campanhas, garantindo a formação das redes de proteção contra a violência, fazendo valer as leis Maria da Penha e do feminicídio”. A gestora faz questão de pontuar a sua identidade, ressaltando marcadores sociais, como ser mulher, negra, interiorana e egressa da Uneb. “O fato de ser mulher já traz enraizado toda uma construção social que nos colocou, ao longo de muitos anos da história mundial, no lugar da submissão, da invisibilidade, do subalterno, de doméstica e domesticada”.


A desembargadora eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA), Zandra Parada ressalta que, depois do desafio de serem eleitas, as mulheres encontram espaços de poder dominados majoritariamente por homens e sua cultura machista.  “Precisamos estar em cargos eletivos para defender pautas que nos dizem respeito diretamente e para trazer contribuições para a economia, o meio ambiente, a infraestrutura, a ciência, a tecnologia e tantas outras áreas que, historicamente, não estamos representadas. O Brasil nunca teve, por exemplo, uma presidente da Câmara ou do Senado, e isso não pode ser aceitável em um país que tem a maioria do eleitorado feminino”.


Pautas femininas

A pouca representação das mulheres na política gera consequências que se refletem, principalmente – mas não unicamente – na idealização, construção e execução de políticas públicas que considerem as questões do ser mulher. “Entendo que a presença de mulheres na política proporcionará um maior diálogo e um pensar mais abrangente em torno de questões que estejam relacionadas às pautas femininas, a exemplo do decreto parlamentar que regulamenta vagões de trens e metrôs exclusivos para mulheres, implementado em virtude dos casos de assédio”, considera a presidente da Junta Comercial da Bahia (Junceb), Marise Chastinet.


A presidente da Comissão de Direitos das Mulheres da Assembleia Legislativa da Bahia, Olívia Santana, reforça a importância de que mais mulheres sejam eleitas ou ocupem outros espaços de poder. “São neles onde as decisões são tomadas: se o custo de vida vai aumentar ou não, se haverá empregos, se creches serão construídas ou não, se as necessidades das mulheres serão ou não priorizadas”.

 








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