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INFRAESTRUTURA HOSPITALAR

Brasil registra quase 40 mil incidentes com recém-nascidos em hospitais

Outro alerta importante é o risco de quedas, um tipo de evento adverso que, embora pareça menos comum, pode ter consequências graves
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Por: Hieros Vasconcelos / TRBN | Pub.: 08/12/2025 09:56 | Atual.:08/12/2025 10:00
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Foto: Renata Casali

O Brasil registrou quase 40 mil incidentes associados à assistência à saúde envolvendo recém-nascidos entre 2014 e 2022, revelando fragilidades que atravessam desde a infraestrutura hospitalar até a capacitação profissional em unidades neonatais. Os dados, inéditos, foram levantados pela Sociedade Brasileira para Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente (SOBRASP) em parceria com a Universidade Federal de São Carlos e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a partir das notificações do sistema NOTIVISA. O estudo, financiado pela FAPESP, mostra um quadro que exige respostas urgentes, sobretudo em serviços de maior complexidade.

Entre abril de 2014 e dezembro de 2022, o país registrou 39.373 notificações envolvendo bebês com menos de 28 dias de vida. Desse total, 99,1% ocorreram em ambientes hospitalares, 0,2% em laboratórios de análises clínicas e 0,7% em outros serviços. A maior parte dos episódios — 26.913 registros, o equivalente a 68,3% — foi classificada como evento adverso, ou seja, situações que efetivamente causaram dano ao paciente.

Na Bahia, foram contabilizadas 1.366 ocorrências no período analisado, confirmando que o problema é disseminado e não se restringe aos grandes centros.

Os eventos adversos mais frequentes envolvem falhas em cateteres venosos (16,7%), lesões por pressão (10,8%), falhas relacionadas a sondas (6,5%), extubações acidentais (5,7%) e quedas (2,6%). São episódios considerados evitáveis, mas que continuam acontecendo em escala significativa. Para recém-nascidos, qualquer instabilidade com um dispositivo pode representar risco imediato, já que tudo é reduzido, desde o calibre dos materiais até as margens de segurança hemodinâmica de cada intervenção.

Para entender o que está por trás do cenário, a reportagem ouviu a médica integrante da SOBRASP e pesquisadora vinculada ao estudo, **Cristina Ortiz Sobrinho Valete**, que reforça que o ambiente neonatal exige uma precisão quase milimétrica. “Na neonatologia, tudo é muito pequeno e delicado. Os dispositivos são frágeis, têm calibres muito reduzidos, e qualquer deslocamento, dobra ou obstrução pode levar a complicações importantes. É uma assistência que demanda atenção constante e equipe treinada”, afirma.

Ela explica que os riscos não se limitam aos cateteres. “As lesões por pressão também merecem atenção. A pele do recém-nascido é extremamente frágil, e fatores como imobilização prolongada, ventilação, sedação e até o estado nutricional podem favorecer o aparecimento dessas lesões. As regiões mais atingidas costumam ser a parte de trás da cabeça e as narinas”, diz.

Outro alerta importante é o risco de quedas, um tipo de evento adverso que, embora pareça menos comum, pode ter consequências graves. “Para um bebê, uma queda aparentemente pequena representa duas ou três vezes a sua própria altura corporal. Dentro das instituições, os recém-nascidos não devem ser transportados no colo durante deslocamentos e nunca podem ser deixados em superfícies sem supervisão”, reforça a pediatra.

A SOBRASP destaca que a prevenção depende de esforço coletivo. “Profissionais e familiares precisam estar atentos e orientados, porque cada detalhe faz diferença. A adoção de protocolos específicos para o paciente neonatal é o que realmente permite reduzir os riscos e evitar que esses eventos aconteçam”, diz Cristina.

 

Sudeste e Nordeste estão entre as regiões com mais eventos adversos

O estudo também identificou que a distribuição de eventos adversos varia conforme a região do país. O Sudeste concentra 39,7% de todas as notificações, seguido por Nordeste (25,9%), Sul (15,4%), Centro-Oeste (17,3%) e Norte (1,7%). Já a proporção de eventos adversos dentro do total de incidentes também é mais elevada no Sudeste (75,2%), aparecendo em seguida o Sul (67,1%), Nordeste (63,5%), Centro-Oeste (61,7%) e Norte (61,3%).

Entre os episódios que mais preocupam estão aqueles relacionados a procedimentos cirúrgicos que evoluíram para óbito, registrados em 1,5% dos eventos adversos. Para a pesquisadora, é um sinal claro de que protocolos de cirurgia segura precisam ser adaptados ao contexto neonatal. “A maioria das cirurgias em recém-nascidos é de urgência, o que por si só já representa maior gravidade. Além disso, manter a estabilidade térmica desses pacientes é um desafio constante”, explica.

A SOBRASP ressalta que nenhum bebê deveria ter seu estado agravado — ou perder a vida — em decorrência de falhas na assistência. “Sabemos que as crianças são vulneráveis aos eventos adversos, e os recém-nascidos são ainda mais sensíveis. Esses eventos são evitáveis e, quando acontecem, frequentemente causam danos. A frequência registrada pela Anvisa e detalhada neste estudo deixa evidente que precisamos agir de forma consistente”, afirma Cristina.

O levantamento também apontou limites importantes nos dados disponíveis. Até 2022, o NOTIVISA apresentava categorias pouco claras, termos redundantes e dificuldade para delimitar a idade exata dos bebês. Essas fragilidades comprometeram a precisão das análises e a implantação de melhorias sistêmicas. Em 2025, a Anvisa atualizou o sistema, eliminando categorias antigas, criando novas e aprimorando critérios de classificação, o que deve qualificar a vigilância e auxiliar na construção de protocolos mais eficazes.

Ao revelar a extensão dos incidentes e eventuais falhas que atingem a população neonatal no Brasil, o estudo da SOBRASP reacende o debate sobre a urgência de investir em equipes qualificadas, processos bem definidos e estruturas adequadas. A expectativa da entidade é que a divulgação dos dados estimule gestores, profissionais e familiares a ampliar a atenção e fortalecer a cultura de segurança do paciente desde o primeiro dia de vida.


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