Dos 30 municípios baianos com até 50 mil habitantes que receberam mais de R$ 7 milhões da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) para execução do plano municipal de saneamento básico, apenas Camacã conseguiu concluir o projeto, e Firmino Alves falta receber a aprovação da Câmara Municipal para terminar o plano.
Os convênios foram assinados entre 2009 e 2012, e os demais 28 municípios ainda não finalizaram seus planos. Veja a lista das cidades da Bahia com atrasos na implantação dos projetos:
Amélia Rodrigues, Andorinha, Belo Campo, Boa Nova, Buerarema, Canavieiras, Cansanção, Ciapra, Coaraci, Conde, Ibiassucê, Ibicoara, Itacaré, Itaju do Colônia, Itororó, Ituberá, Jandaíra, Maragogipe, Pau Brasil, Pintadas, Piraí do Norte, Planalto, Poções, Riacho de Santana, Rio do Antonio, Rio de Contas, Una e Uruçuca.
O Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) estima um investimento de R$ 508,4 bilhões em ações no país, nos próximos 20 anos. Mas boa parte desse recurso pode deixar de ser destinado às prefeituras por um problema criado por elas mesmas: a falta de projetos. É que o Plansab, instrumento previsto pelo artigo 52 da Lei 11.445, que estabelece diretrizes, metas e ações de saneamento básico para o Brasil até 2033, determina que, para ter acesso aos recursos, os 5.564 municípios devem elaborar seus Planos Municipais de Saneamento até 2015.
O prazo inicial para entrega era dezembro de 2010, foi prorrogado para 2013 e depois para dezembro de 2015. Apesar do atraso, as prefeituras caminham a passos lentos. Dos 417 municípios baianos, só Camacã, no Sul do estado, elaborou e aprovou o plano na Câmara Municipal, e Firmino Alves já elaborou e depende só da aprovação do legislativo municipal.
“A situação está muito ruim, mas já esteve pior. É o Brasil todo, não é só a Bahia que está assim. Aqui é pior porque, historicamente, o processo de disparidade social é gritante e tem ainda a extensão do estado”, avalia o coordenador do projeto Sanear Mais Bahia e chefe de gabinete do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (Crea), Herbert Oliveira.
O plano nacional prevê alcançar, nos próximos 20 anos, cobertura de 99% no abastecimento de água potável, sendo 100% na área urbana. Já no esgotamento sanitário, visa uma cobertura de 92%, sendo 93% na área urbana. Em resíduos sólidos, o Plansab prevê a universalização da coleta na área urbana e a ausência de lixões ou vazadouros a céu aberto em todo o país. Para águas pluviais, a meta é reduzir a quantidade de municípios em que ocorrem inundações ou alagamentos a 11% na área urbana.
Para atingir esses resultados, as prefeituras precisam planejar suas ações. E isso será possível através dos planos municipais, que vão estabelecer metas e objetivos para universalizar os serviços de saneamento e melhorar a qualidade deles no país inteiro. O orçamento previsto é de R$ 504,8 bilhões. Desse montante, 59% serão oriundos do governo federal e os 41% restantes devem ser financiados pelos governos estaduais e municipais, prestadores de serviços de saneamento, iniciativa privada, organismos internacionais, dentre outros.
“Como é que você planeja para um país como um todo? Você planeja em nível macro e depois vem com os planos estaduais de saneamento básico e com os planos municipais de saneamento básico”, explica o Ph.D. em Saúde Ambiental e professor titular em Saneamento da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Luiz Roberto Santos Moraes, que participou da construção do Panorama Nacional do Saneamento Básico, documento que serviu de base para elaborar o Plansab.
Novo conceito
Além de criar metas, a nova lei mudou também o conceito do que é saneamento básico. Em vez de só contemplar os serviços de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário, passa a incluir a limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e a drenagem e manejo das águas pluviais urbanas. Também determina que os contratos para prestação de serviços públicos de saneamento básico só terão validade se houver um plano de saneamento básico, a existência de estudo comprovando a viabilidade técnica e econômico-financeira da prestação universal e integral dos serviços, entre outras condicionantes.
A lei também estabelece que, para um plano ser validado, é preciso ter a participação e o controle social. “Tem que discutir o planejamento da cidade com as pessoas que nela residem”, pondera o engenheiro Herbert Oliveira. Os atrasos, segundo o professor Moraes, não estão restritos aos municípios. Segundo ele, a União deveria ter terminado o plano nacional em 2008, mas só o aprovou no ano passado, com cinco anos de atraso. O prazo concedido ao estado expirou em 2009, mas até hoje o documento não foi finalizado.
Na avaliação de Herbert Oliveira, o problema existe porque não houve um planejamento histórico do saneamento básico no país. “É aquela questão que todo mundo fala: o que está enterrado ninguém vê. Quando você fala de saneamento básico, ninguém enxerga esse tipo de obra, que afeta diretamente a qualidade de vida, a saúde das pessoas e o bem-estar delas”.
Sem fiscalização
O artigo 7 do decreto 8141, que dispõe sobre o Plansab, diz que a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades deve elaborar anualmente e dar publicidade ao relatório de monitoramento e de avaliação sistemática do plano, que contenha elementos que possibilitem identificar a evolução dos cenários, as metas, os indicadores, os investimentos, as macrodiretrizes, as estratégias e avaliar a implementação dos programas.
Projeto prevê a construção de 50 planos na Bahia
Enquanto muitos municípios ainda não sabem por onde começar a elaboração dos planos municipais de saneamento, 50 cidades baianas têm a promessa de chegar ao final do ano com os seus projetos prontos. É que o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea) firmou um convênio de cooperação técnica com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) no valor de R$ 6,9 milhões para qualificar e assessorá-los tecnicamente na elaboração desses planos, através do projeto Sanear Mais Bahia. A primeira parcela já foi repassada para o Crea.
Apesar de o Plansab ser capitaneado pelo Ministério das Cidades, é a Funasa que acompanha os municípios com população inferior a 50 mil habitantes. Na Bahia, dos 417 municípios, 373 se enquadram nesse perfil. “Com os planos prontos a partir de meados do ano que vem, esses 50 municípios vão passar a ter acesso aos recursos. É muito recurso, mas você não tem como pegar se não tem projeto”, avalia o chefe de gabinete do Crea e coordenador do projeto, Herbert Oliveira.
Foram escolhidos os municípios com os menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), com as maiores incidências de doenças diarréicas, maior população rural e menor cobertura de abastecimento de água. Outro requisito era pertencer a consórcios públicos.
“O consórcio se apresenta como uma possibilidade, porque você consegue bancar uma equipe de engenharia para trabalhar. Um município só não banca”, explica.
Essa não é a primeira vez que a Funasa destina recursos para realização de planos municipais. Segundo a superintendente da Funasa na Bahia, Jacilene Costa, 33 cidades baianas foram contempladas em 2009 em uma seleção pública realizada pelo órgão. Três desistiram e só Camacã concluiu o plano.
“Há uma dificuldade desses municípios, mesmo recebendo recursos. Há dificuldade de destrinchar o processo licitatório, por conta da baixa capacitação das prefeituras. Há ausência de equipes técnicas nos municípios para realizar esse trabalho”, avalia Jacilene. Segundo ela, até o número de empresas de consultoria na Bahia nessa área é insuficiente. “Há casos em que precisamos contratar empresa de São Paulo”, conta.
Ministério Público na cola para que prefeituras cumpram prazo
Os promotores que atuam na Bahia vão acompanhar a elaboração dos planos municipais e cobrar dos municípios a sua implementação. “Faremos isso enquanto fiscal da lei e curador do meio ambiente e da saúde pública, que são dois bens jurídicos estabelecidos pela Constituição”, diz a promotora e coordenadora da Câmara Temática de Saneamento do Centro de Apoio às Promotorias do Meio Ambiente (Ceama), Karinny Guedes.
Segundo ela, a Lei de Crimes Ambientais tem um crime específico para a legislação de resíduos sólidos, mas não tem para esgotamento sanitário. Mesmo assim, o poder público pode ser responsabilizado por omissão. “Além de reparação civil, também existe o crime de poluição ambiental. Podemos vincular a omissão à poluição a um crime que afeta a saúde. Mas, para responsabilizar criminalmente um prefeito, é preciso comprovar que ele se omitiu”, explica.
Apesar de a lei abrir espaço para que os gestores respondam criminalmente, a promotora ressalta que essa é uma medida para ser adotada só em última instância.
“Na realidade que vivemos, que falta a cultura do planejamento, é um pouco temerário ficar falando de crime. Certamente, não é o caminho que a gente quer trilhar. A gente espera sentar com os municípios para assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e garantir que a determinação seja cumprida”. A ideia é que os promotores trabalhem buscando soluções com os municípios. “Não é uma coisa de outro mundo, mas muitas vezes o município não quer se mexer, alega que não tem dinheiro”, avalia, acrescentando que os municípios têm que planejar seus serviços. “Sem esse planejamento, os serviços públicos podem não contemplar as reais necessidades do município”.